sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

HANS KÜNG (1928-)

Hans Küng é um importante teologo católico crítico da infalibilidade papal e da doutrina papal com relação ao celibato,ordenação de mulheres e ecumenismo. Hans Küng nasceu em 19 de Março de 1928 em Sursee no cantão de Lucerna na Suiça, entrou para vida religiosa estudando na Universidade Gregoriana em Roma e Paris, foi ordenado padre católico-romano em 1954 e em 1957 concluiu seu doutoramento em teologia com a tese Justification, em que trata da questão da justificação da fé. Se tornou professor de teologia da Universidade de Tübigen (1960 - 1996) na Alemanha, onde também a partir de 1963 dirigiu o Instituto de Pesquisa Ecumênica. Teve papel fundamental no Concílio Vaticano II sendo nomeado peritus (consultor teológico) pelo Papa João XXIII e ajudou na redação das conclusões do concílio que renovou áreas fundamentais do ensino e das práticas católicas.

Desde os anos da década de 1960 Küng foi um dos críticos mais severos da Infalibilidade Papal, publicou em 18 de janeiro de 1970, centenário da declaração da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I, o livro Infallible? An Inquiry em que esmiuçou e rejeitou o caráter infalível de qualquer decisão papal e da cúria. Em 1979 publicou nos principais jornais do mundo seu artigo Um ano de João Paulo II que demonstrou o reacionarismo do papa ao aceitar só nominalmente o Concílio Vaticano II, quando na substancia fortaleceu a centralização curial, impôs o culto a personalidade, endossou a exclusão das mulheres do sacerdócio e a permanência do celibato; como conseqüência desse artigo e sua críticas a infalibilidade, teve sua licença para lecionar como teologo católica cassada pelo Papa João Paulo II.

Depois da proibição foi nomeado professor de teologia ecumênica de Tübigen onde pode desenvolver seus estudos sobre ecumenismo em particular com relação ao Luteranismo; nesta tarefa Küng se sente totalmente à vontade já que se dedica prioritariamente à união dos povos, das raças, das religiões, enfatizando o que há de comum entre eles, relativizando o que os separa. Em sua tese de doutorado , Justificação em 1957 já tinha chegado a conclusão da possibilidade de um acordo teológico entre catolicismo e luteranismo que foi efetivamente realizado em 1999.

Küng se aposentou como professor em 1996 e logo a seguir foi eleito presidente da Fundação Ética Global de Tübigen.

Considerado como o teólogo mais polêmico e problemático de hoje, seus 70 anos apresentam, em retrospectiva, um panorama esplêndido de atividade acadêmica, científica e literária como muito poucos podem oferecer. Seu pensamento destina-se a esclarecer o genuinamente cristão e católico, desmascarando, sem medo, tudo o que de espúrio e corrupto se introduziu no cristianismo ao longo de sua história de séculos. O viver e o acontecer da Igreja é seu campo de pesquisa e sua luta, que o levaram a enfrentamentos, acareações e condenações da Igreja oficial.

Alguém disse que o seu trabalho científico e teológico reproduz na Igreja de Roma o que século e meio realizara Newman na Igreja da Inglaterra: procurar razões e fundamentos para a sua fé católica. Desde a tese doutoral, Justificação. A doutrina de Karl Barth e uma reflexão católica (1957), passando pelo trabalho como conselheiro no Vaticano II, até a última obra Projeto de ética global (1990), toda a sua produção é uma pesquisa do cristão em todos os seus planos e dimensões. Assim devemos ler os seus livros: Existe Deus?; Ser cristão; Infalível?. Todos eles suscitaram polêmica e o colocaram contra a parede. Negaram-lhe o título de teólogo e até o de cristão. Muitos se perguntaram: Küng é verdadeiramente católico? Por que continua sendo católico? Ele mesmo se fez esta pergunta e lhe responde da seguinte forma: “A resposta, tanto para mim, quanto para muitos outros, é que não quero deixar que me arrebatem algo que faz parte de minha vida. Nasci no seio da Igreja Católica: incorporado pelo Batismo à imensa comunidade de todos os que acreditam em Jesus Cristo, vinculado por nascimento a uma família católica que amo entranhadamente, a uma comunidade católica da Suíça à qual volto com prazer em qualquer oportunidade; em uma palavra, nasci num solar católico que não gostaria de perder nem abandonar, e isto como teólogo...”.

“Desde muito jovem conheço Roma e o papado mais a fundo do que muitos teólogos católicos, e não guardo, apesar do que se tem dito contra, nenhum afeto anti-romano. Quantas vezes ainda terei de falar e de escrever que não estou contra o papado nem contra o papa atual, mas que sempre tenho defendido, ante os de dentro e frente aos de fora, um ministério de Pedro purificado de traços absolutistas, de acordo com os dados bíblicos! Sempre me pronunciei a favor de um autêntico primado pastoral no sentido da responsabilidade espiritual, direção interna e solicitude ativa pelo bem da Igreja universal... Um primado não de domínio, mas de serviço abnegado...

“Desde muito jovem vivi a universalidade da Igreja Católica e nela pude aprender e receber muitas coisas de inumeráveis homens e amigos de todo o mundo. Desde então resulta-me mais claro que a Igreja Católica não se identifique mais com a hierarquia nem com a burocracia romana...

“Por que, então, continuo sendo católico? Não apenas em razão de minhas raízes católicas, mas também em razão dessa tarefa que para mim é a grande oportunidade de minha vida e que somente posso realizar plenamente, sendo teólogo católico no marco de minha faculdade teológica. Mas isso nos leva a outra pergunta: Que significa propriamente o católico, isso que me impulsiona a continuar sendo teólogo católico?

“Segundo a etimologia do termo e da antiga tradição, é teólogo católico quem, ao fazer teologia, sabe-se vinculado à Igreja Católica, isto é, universal, total. E isto em duas dimensões: temporal e espacial... Nesse duplo sentido, quero continuar teólogo católico e expor a verdade da fé católica com uma profundidade e abertura igualmente católicas. Neste sentido podem ser também católicos certos teólogos que se chamam protestantes ou evangélicos, coisa que acontece de fato e, particularmente, em Tubinga. Isso deveria constituir um motivo de alegria para a Igreja oficial...

“Essa aceitação da catolicidade no tempo e no espaço, na profundidade e na abertura, significa que é preciso aprovar tudo o que as instâncias oficiais ensinaram, prescreveram e observaram ao longo do século XX?... Não, não é possível que se refira a uma concepção tão totalitária da verdade... De tudo se depreende que ser católico não pode significar aceitar e suportar tudo submissamente com uma falsa humildade em aras de uma pressuposta ‘plenitude’, ‘totalidade’ e ‘integridade’. Isso constituiria uma má complexio oppositorum, um trágico amálgama de contradições, de verdade e erro...

“Em todo caso, a catolicidade deve ser entendida sempre com um sentido crítico fundamentado no Evangelho... A catolicidade é dom e tarefa, indicativo e imperativo, enraizamento e futuro. Nesta tensão quero continuar fazendo teologia e continuar expondo a mensagem de Jesus aos homens de hoje com a mesma resolução que até agora, disposto a aprender e retificar sempre que se trate de um diálogo amistoso e fraterno...”.

Atualmente Hans Küng mantém boas relações com a igreja. Hans Küng é uma das figuras mais dignas de nota da teologia contemporânea. Dedica-se ao estudo das grandes religiões, sendo autor de obras conceituadas em todo o mundo.

Obras de Hans Küng em português:

- Uma ética mundial e responsabilidades globais
- A Igreja Católica
- Por que ainda ser Cristão hoje?
- Religiões do mundo em busca dos pontos comuns
- Teologia a caminho
- Religiões do Mundo
- Projeto de ética mundial

PENSAMENTOS DE HANS KÜNG

"Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais. Nosso planeta não irá sobreviver, se não houver um etos global, uma ética para o mundo inteiro".

"A religião pode fundamentar de maneira inequivocável porque a moral, as normas e os valores éticos devem vincular incondicionalmente (e não apenas quando é cômodo) e, portanto, universalmente (para todas as linhagens, classes e raças). O humano émantido exatamente porque é concebido como fundadono divino. Tornou-se claro que somente o incondicionado pode obrigar de maneira absoluta, somente o Absoluto pode vincular de maneira absoluta"

"Não é o consumo de luxo que decide a longo prazo sobre a qualidade de uma situação econômica, mas sim uma melhor infra-estrutura, uma maior segurança, um mundo ambiente intacto, e (...) os trabalhadores com melhor formação, nos quais é preciso investir".

"Devemos avançar de uma ciência eticamente livre, para outra eticamente responsável; de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia que esteja a serviço do próprio homem;... de uma democracia jurídico formal a uma democracia real, que concilie liberdade e justiça".

“Se hoje uma exegese a-histórica já está totalmente superada, também o está uma teologia
dogmática a-histórica. E se a Bíblia precisa ser interpretada de forma mais histórico-crítica, então com muito mais razão também o dogma pós-bíblico. Uma teologia que, em vez de questionar criticamente os ‘dados’, permanece aberta ou veladamente autoritária, não poderá responder às exigências científicas do futuro".

JÜRGEN MOLTMANN (1926-)

Jürgen Moltmann é um dos principais teólogos Luteranos contemporâneos. Ele nasceu em 1926 em Hamburgo, Alemanha. Moltmann lutou na II Guerra, foi feito prisioneiro pelos ingleses e foi levado para um campo de concentração na Inglaterra. Moltmann de 1945-1948, esteve prisioneiro dos aliados na Bélgica e na Inglaterra. Esses anos de prisão levaram-no a refletir sobre o sentido da vocação cristã. Em 1948 voltou a Alemanha e foi estudar teologia. A partir de 1952, atuou como pastor da Igreja Luterana. Desde 1967, foi professor de teologia sistemática na Universidade de Tubinga. Moltmann é um escritor prolífico, centrado integralmente em “olhar a teologia sob um ponto de vista particular: a esperança. É uma contribuição sistemática à teologia, na qual considera o contexto e a correlação que os diferentes conceitos têm no campo da teologia”.Moltmann dedicou-se e ainda se dedica a lecionar teologia em universidades. Moltmann é o criador da 'Teologia da Esperança', em que desenvolve as idéias da realização do Reino, como promessa fundamental de Deus. Ele também destaca muito a importância do mistério da cruz. Moltmann é casado e tem quatro filhos.
Suas principais obras são:

- Teologia da Esperança;
- O Deus Crucificado;
- A Igreja na Força do Espírito;
- Conversão ao Futuro.

Suas obras:

Teologia da esperança (1964), que o torna conhecido como um dos grandes teólogos de hoje na linha de Barth e de Bultmann. Nela confirma a importância que a escatologia tem na doutrina do Novo Testamento; a escatologia, não como crença em fatos concretos que devem acontecer nos finais dos tempos, mas como fator que modela toda a teologia cristã. Tal perspectiva escatológica do cristianismo é interpretada como promessa, como plataforma para a futura esperança. É base para uma transformação antecipada do mundo da nova terra prometida. A meta da missão cristã não é simplesmente uma salvação individual, pessoal, nem sequer espiritual; é a realização da esperança da justiça, da socialização de toda a humanidade e da paz do mundo. Esse outro aspecto de reconciliação com Deus pela realização da justiça foi descuidado pela Igreja. A Igreja deve trabalhar por essa realização, baseada na esperança futura.

O Deus Crucificado (1972) expõe a doutrina de Deus a partir da perspectiva da cruz. O Deus cristão é um Deus que sofre de amor. Não é um sofrimento imposto de fora — pois Deus é imutável —, mas um sofrimento de amor, ativo. É um sofrimento aceito, um sofrimento de amor, livre, ligado ao Deus sofredor de Auschwitz e do extermínio judeu. A esse livro deve-se acrescentar A Igreja no poder do Espírito (1975). Neste estuda a atividade reconciliadora de Deus no mundo, vista sob a perspectiva da Ressurreição, da Cruz e de Pentecostes. “A Igreja — diz Moltmann — deve estar aberta a Deus, aos homens, e aberta ao futuro tanto de Deus quanto dos homens. Isso pede da Igreja não uma simples adaptação às rápidas mudanças sociais, mas uma renovação interior pelo Espírito de Cristo e a força do mundo futuro.” Isso faz com que a Igreja tenha de ser Igreja de Jesus Cristo e Igreja missionária. Deve ser também uma Igreja ecumênica, que quebre as barreiras entre as Igrejas. E deve ser também política: a dimensão política — agrade ou não — sempre existiu nela. A Teologia da Libertação ensina a Igreja a tomar partido pelos pobres e humilhados deste mundo.

Finalmente, em A Trindade e o Reino de Deus (1980) estuda o mistério da Trindade de Deus fazendo “uma história trinitária”. Examina a paixão de Cristo e vê, no abandono de Cristo na cruz por Deus, o centro da fé cristã. “Deus é abandonado por Deus.” Apóia a sua doutrina social na “Doutrina Trinitária do Reino”, baseada nas idéias de Joaquim de Fiore, elaborando assim uma “Doutrina Trinitária da Liberdade”.
A obra de Moltmann pressupõe uma revitalização e um aprofundamento da teologia cristã.

PENSAMENTOS DE JÜRGEN MOLTMANN

"Cristo veio e se sacrificou para reconciliar o mundo inteiro. Ninguém fica excluído".

"Nós não somos só os intérpretes do futuro, mas já somos os colaboradores do futuro, cuja força, na esperança como realização, é Deus".

"Por 'Reino de Deus', nós entendemos o cumprimento escatológico do senhorio histórico-libertador de Deus. Seria unilateral ver o senhorio de Deus somente no seu reino perfeito, como também geraria muitos equívocos uma equiparação entre Reino de Deus e o domínio que Deus exerce atualmente. Em seu Reino, Deus reina de modo incontrastado, universal e em toda a clareza".

"A mediação entre a tradição do cristianismo e a cultura do tempo presente é a tarefa mais importante da teologia. Sem uma conexão viva com as possibilidades e os problemas do homem de hoje, a teologia cristã torna-se estéril e irrelevante. Mas, sem uma referência à tradição cristã, a teologia torna-se oportunista e acrítica".

"Deus não está presente em algum lugar do além: Ele vem, e é tal que está presente. Prometendo um mundo novo - o da vida, da justiça e da verdade universais -, ele questiona constantemente este mundo presente, através desta promessa: não que, para aquele que tem esperança, este mundo presente não seja nada; mas ele ainda não é aquilo que tem a perspectiva de ser. Assim questionados, o mundo e a condição humana acorrentada a este mundo se tornam históricos, pois são colocados em xeque e em crise por causa do futuro prometido. Lá onde começa o novo, o antigo se torna manifesto. Lá onde é prometido o novo, o antigo se torna passageiro e superável. Lá onde se espera e se aguarda o novo, o antigo pode ser abandonado. Assim a 'história' aparece, em função do seu fim, naquilo que se opera graças à promessa, naquilo que esta promessa - que caminha para frente e ilumina o caminho - permite perceber. A escatologia não desaparece nas nuvens de areia da história, senão que mantém a história viva na crítica e na esperança; aescatologia é algo como as nuvens de areia da história vindas de longe".

"Se a revelação do Ressuscitado está aberta para o seu próprio futuro e para a sua promessa, esta abertura para o futuro transcende toda a história consecutiva da Igreja, tem sobre ela uma superioridade absoluta. A recordação da promessa acontecida - recordação de um advento, e não de um evento passado - afunda como uma lasca na carne de cada (momento) presente e o abre para o futuro".

"... este evento, que se pode apreender através da Crucifixão e das aparições pascais... remete retrospectivamente para as promessas de Deus e direciona para frente em direção a um 'eschaton': a revelação da sua divindade em todas as coisas. Ele deve, pois, ser entendido como o advento escatológico da fidelidade de Deus, mas também como a garantia escatológica da sua promessa e como o início da consumação".

"A soberania do Cristo crucificado por motivo político só pode estender-se através da libertação em relação às formas do poder que mantém os homens em tutela e os tornam apáticos, e através da evacuação das religiões políticas que lhes dão sustentação. A consumação do Reino de liberdade de Jesus deve, segundo Paulo, aniquilar todo poder, toda autoridade e toda potência, que ainda são inevitáveis aqui na terra, e suprimir as apatias e as alienações que lhes correspondem. Os cristãos procurarão, de acordo com as possibilidade presentes, antecipar o futuro de Cristo, destruindo todadominação e construindo a vida política de cada um".

"Jesus não viveu como uma pessoa privada... senão que, quanto possamos saber pelas fontes, viveu como uma personalidade pública, da proximidade do seu Deus e Pai para o seu Reino vindouro".

"Só compreendemos o caráter peculiar da sua morte se compreendermos o seu abandono por parte do seu Deus e Pai, do qual ele havia pregado a proximidade de uma forma única, benévola e solene. O caráter único do abandono por Deus, no qual Jesus morreu, guarda relação com o caráter únicoda sua comunhão com Deus na sua vida e na sua pregação. Trata-se de algo mais do que - e de algo diferente de - um 'desabamento' e de um 'fracasso'".

"Deve-se dizer, portanto: sua morte na cruz é o 'significado' da sua ressurreição por nós... (Pois) o Reino vindouro, cuja certeza os discípulos encontram nas aparições pascais de Cristo, assumiu a partir de agora, através de Cristo, a forma da cruz em um mundo alienado. A cruz é a forma do Reino redentor que vem, e o Crucificado é a encarnação do Ressuscitado. No Crucificado, o 'fim da história' está presente dentro da realidade da história. Nele se encontram, portanto, a reconciliação no meio do conflito e a esperança de superar o conflito".

"O Deus da liberdade, o verdadeiro Deus não se reconhece pelo seu poder e sua glória no mundo e na história do mundo, mas pela sua impotência e sua morte no patíbulo de infâmia da cruz de Jesus".

"O princípio material da doutrina trinitária é a cruz de Cristo. O princípio formal do conhecimento da cruz é a doutrina trinitária".

"Pois Jesus aceita morrer abandonado, não sofre a morte como tal, já que não se pode 'sofrer' a morte, pois o sofrimento supõe a vida. Mas o Pai, que o abandona e o entrega, sofre pela morte do Filho na dor infinita do amor".

"O que procede deste evento entre o Pai e o Filho é o Espírito que justifica os ímpios, que enche de amor os abandonados, que até aos mortos dará a vida - pois nem o fato da morte deles pode excluí-los deste acontecimento da cruz, senão que a morte em Deus também os inclui".

"O Crucificado não desaparece quando vem o cumprimento, senão que antes se torna o fundamento da existência salva em Deus, e na inabitação de Deus em todos".

“Deus, sendo amor, só pode ser testemunhado e experimentado em uma congregação pequena o bastante para que os membros se conheçam e se aceitem uns aos outros, assim como são aceitos por Cristo. O evangelho do Cristo crucificado por nós põe termo à religião como potência e abre apossibilidade de experimentar a Deus, no âmbito da comunidade genuína, como o Deus de amor”.

"O caminho para uma unidade que seja aceitável por todos está dificultado tanto pelo centralismo papal e pelo uniformismo romano, por um lado, como, por outro, pela dispersão protestante e, em último lugar, pela auto-suficiência ortodoxa".

"Por meio de subverter e demolir todas as barreiras - sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe - a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos... O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário".

"Se a promessa é considerada como promessa de Deus, então não pode ser verificada segundo os critérios humanos. A plenificação da promessa pode conter o novo, mesmo dentro do esperado, e superar na realidade o pensado em categorias humanas [...]. O ainda-não da expectação ultrapassa todo cumprimento já sobrevindo. Por isso, toda realidade de cumprimento, sobrevinda já agora, se transforma na confirmação, interpretação e libertação de uma esperança maior [...]. A razão da constante mais-valia da promessa e de seu permanente superávit acima da história reside no caráter inexaurível do Deus da promessa".

“O cristianismo é total e visceralmente escatológico, e não só a modo de apêndice (...). O
escatológico não é algo que adere ao cristianismo, mas simplesmente o meio em que se move a fé
cristã, aquilo que dá o tom a tudo que há nele. Como a fé cristã vive da ressurreição do Cristo
crucificado, ela não pode ser simplesmente parte da doutrina cristã. Ao contrário, toda a pregação cristã tem uma orientação escatológica”.

KARL RAHNER (1904-1985)

Um dos maiores teólogos católicos do século XX, Karl Rahner nasceu em Freiburg, na Alemanha, em 1904. Foi sacerdote jesuíta, ordenado em 1932. O teólogo Karl Rahner, foi um dos mais importantes e criativos teólogos da tradição católica no século XX, teve um papel fundamental no incentivo à abertura da igreja católica-romana às diversas tradições religiosas.

Foi um dos principais assessores teológicos do Concílio Vaticano II. Em 1965 fundou a «Concilium», revista internacional de Teologia, com a colaboração de Yves Congar e Edward Schillebeeckx. Foi um pensador que influenciou muitos teólogos. Segundo muitos teólogos "todos bebemos em Rahner". O pensamento teológico na atualidade "é devedor, mas em profundidade, à reflexão deste alemão". O projeto de auto-comunicação de Deus; a relação da Antropologia com a Cristologia e a Igreja e o espírito são pontos essenciais da reflexão de Karl Rahner. Rahner estudou na universidade de Freiburg e acompanhou os cursos de Martin Heidegger, uma das influências decisivas na sua formação (outras influências importantes seriam Kant e o jesuita belga Joseph Maréchal).Karl Rahner passou a maior parte da sua vida ensinando teologia sistemática em cidades como Innsbruck e Munique. Deixou uma obra vastíssima, que inclui as "Investigações Teológicas", em 14 volumes. Karl Rahner faleceu em 1985.

Karl Rahner foi profundamente ligado à renovação da teologia católica e da Igreja. Desde 1948 foi professor de teologia dogmática em Innsbruck. Posteriormente lecionou também teologia nas Universidades de Munique e Münster. A partir de 1964, e durante três anos, participou dos trabalhos da comissão teológica do Vaticano ll, dando ao mesmo tempo cursos sobre a concepção cristã do mundo na Faculdade de Filosofia de Münster, onde sucedeu Romano Guardini. A aposentadoria de Rahner, em 1971, não interrompeu sua atividade científica e pastoral, já que continua sendo membro ativo do Sínodo Nacional da Alemanha.

Sua obra insere-se na corrente filosófica alemã de Heidegger, de quem foi discípulo, e nutrese do pensamento teológico alemão tanto católico quanto protestante. É uma teologia aberta e profundamente tradicional, mas fortalecida com um novo alento de vida e cultura moderna. Sua numerosa produção vai de 1941 a praticamente seus últimos dias, em 1985. Cabe assinalar as seguintes obras: Ouvinte da palavra (1941); Visões e profecias (1952); Liberdade de palavra na Igreja (1953); Missão e graça (1959); Cristologia (1972); Mudança estrutural da Igreja (1973); Curso fundamental da fé (1976). Muitos de seus escritos foram coletados nos Escritos de Teologia (1954-1975) e na coleção “Quaestiones disputatae” (iniciada em 1958). Dirigiu também as obras enciclopédicas Sacramentum mundi (1969) e Manual de teologia pastoral (1971-1972).
Dessa abundante obra destacamos sua doutrina mais original, e que divulgou o que se conhece como “cristianismo anônimo”. Para ele, cristão é todo aquele que “choca com o mistério”. Quanto mais o homem se coloca questões fundamentais e se aprofunda na experiência da vida ou utiliza seus conhecimentos científicos, mais se adentra no mistério: “é o mistério que chamamos Deus”.
Pois bem, “o cristão anônimo”, tal como o entendemos, é o pagão que vive depois da vinda e pregação de Cristo, em estado de graça através da fé, da esperança e da caridade, embora não tenha conhcecimento explícito do fato de que sua vida é orientada pela graça salvadora que leva a Cristo... "Deve haver uma explicação cristã que dê conta do fato que todo indivíduo que não opera em nenhum sentido contra a sua própria consciência e diz realmente em seu coração ‘Abba’ com fé, esperança e caridade, é na realidade aos olhos de Deus um irmão para os cristãos” (Escritos de teologia).

Sua idéia, seguida hoje por muitos outros teólogos, de que existam “cristãos anônimos” sem compromisso religioso algum, é altamente sugestiva. “Cristão anônimo é aquele que aceita a si mesmo numa decisão moral”, ainda quando tal decisão não se faz de uma forma “religiosa” ou “teísta”. Justificaria o chamado “cristianismo secular” ou “cristianismo horizontal” tal como o formulou a Assembléia de Upsala (1964) e tal como o formula a Teologia da Libertação. Pode-se ser cristão sem referência a nenhum elemento religioso. E a Igreja fica como comunidade missionária sem nenhuma pretensão ou pressão social e política.

Segundo Karl Rahner, o homem é o ser "ouvinte da Palavra". Por sua dimensão espiritual, o homem está receptivo a uma possível revelação divina, que lhe explique e dê significado ao mistério da Existência e do Ser.

O homem é o único ser, que pergunta-se pelo mistério e o sentido da Existência e do Ser, e isso devido a sua dimensão espiritual: o homem é espírito. Por ser espírito, o homem está receptivo e a procura de uma explicação para o Mistério; o homem é um "ouvinte da Palavra"; ele contém um a priori cognoscitivo, que é essa abertura para uma possível revelação divina; o homem é o ser à espera da manifestação de Deus.

A revelaçao é uma auto-manifestação de Deus, é uma auto-revelação; e essa auto-comunicação de Deus responde e vem ao encontro da "abertura" ou "receptividade" humana que está à procura e à espera de uma resposta válida e coerente para suas perguntas sobre o Ser e a Vida.

Assim como Kant estabeleceu os a prioris que permitem o homem chegar ao conhecimento da ciência e do mundo; Rahner estabeleceu os a prioris que permitem ao homem chegar ao conhecimento de Deus e da teologia.

O a priori de Rahner, consiste nessa abertura e receptvividade do homem para com o Mistério. O Mundo, o Ser e a Vida são mistérios e interrogações que colocam-se diante do homem, e o homem está a espera de uma Palavra, uma Revelação, que lhe dê sentido e explicação sobre essas realidades misteriosas; por isso o homem é um "ouvinte da Palavra". O homem está à escuta da Palavra que lhe dê a resposta apaziguadora; essa Palavra é a auto-comunicação de Deus. Cristo é justamente essa auto-revelação e auto-manifestação de Deus. Em Cristo, Deus se auto-revela e se auto-comunica aos homens, dando-lhes a resposta que eles procuram e buscam.

A teologia de Rahner é chamada de "transcendental", pois parte da dimensão do mistério da Vida e do Ser. É diante do mistério da Vida e do Ser, que o homem pergunta-se pelo sentido e significado das coisas; é a partir desse mistério, que o homem está a espera de uma revelação.

Como outros teólogos, Rahner recebeu vários “monitum”. Sua teoria do cristianismo anônimo, aberto a todos e não monopolizado pela Igreja — um cristianismo disperso e arraigado em todo o mundo, um cristianismo sem fronteiras, fruto da graça de Deus oferecida acima de todas as categorias humanas — foi posta em questão. “A teologia não é um assunto privado e, submetida ao Magistério da Igreja, inclusive em sua tarefa de pesquisa, não pode esconder-se atrás de uma liberdade acadêmica” (Paulo VI, 1975). Não obstante, permanece o mais valioso de sua doutrina: o diálogo constante mantido com o homem moderno, com a sociedade e suas condições. A teologia terá de fazer o possível para não se desentender com eles.

PENSAMENTOS DE KARL RAHNER

"Maria é a concreta realização do perfeito cristão. Maria é como nós. Jesus Cristo é outrossim um como nós. Mas ele também é Deus. Maria é que é inteiramente uma entre nós. O que ela é nós devemos ser. É por isto que Maria é-nos tão familiar. É por isso que nós a amamos".

"Deus age através de Causas Segundas. É Ele a Causa Primeira que dá origem e sustenta a cadeia de todas as causas segundas que movem o mundo. Mas não é, Ele mesmo, um elemento do mundo, como se fosse apenas uma causa segunda entre as outras. Deus, em sí mesmo, não é uma engrenagem do mundo".

"A condição criada do mundo é relação absolutamente única, só ocorre uma vez. Criação e condição de criatura não indicam apenas o primeiro momento da existência de um ser temporal, mas significam, em última análise, a constituição desse ser existente e do seu tempo, constituição essa que não entra no tempo mas é o fundamento da criatura, e do próprio tempo."

"O homem deve ser entendido como a possibilidade de ser assumido por Deus, de tornar-se o material de possivel história de Deus. Deus planeja o homem de modo criador, tirando-o do nada, e o coloca em sua realidade de criatura, diferente de Deus, mas como a "gramática" de possivel auto-expressão de Deus. A humanidade de Jesus Cristo não é mera aparência de Deus. Também não é Ele um mero profeta, mas o próprio Deus. Em consequência, manifesta-se como herética qualquer idéia da encarnação que considere a humanidade de Jesus como se fosse apenas uma "roupagem" revestida por Deus, de que ele apenas se servisse para assinalar sua presença quando fala. Quem aceita inteiramente o seu ser homem, acolheu o Filho do Homem porque, neste, Deus acolheu o homem. Ao dizer a Escritura que quem ama o próximo cumpriu a Lei, trata-se aí da verdade última, uma vez que o próprio Deus tornou-se este próximo e, desta sorte, em todo o próximo, sempre é acolhido e amado aquele que é simultaneamente o mais próximo e mais longínquo: Deus. A realidade humana de Deus em Jesus Cristo permanece para sempre, eternamente..."

"A descoberta do Coração de Jesus na fé, na esperança e na caridade, é um longo e aventureiro caminho, pleno de imprevistos; uma viagem da qual não se vê o fim senão quando se acaba por entrar no seu próprio coração, para aí descobrir que esse horrível fosso está pleno do próprio Deus".

"A tarefa mais urgente de uma Cristologia de hoje consiste em formular o dogma da Igreja - 'Deus é (tornou-se) homem, e este Deus que se fez homem é o Jesus Cristo concreto' - de modo a tornar compreensível o que estas proposições significam e em excluir toda a aparência de uma mitologia que se tornou inaceitável hoje".

"O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão".

"Se a ressurreição de Jesus é a vigência permanente de sua pessoa e sua causa, e se esta pessoa-causa não significa a sobrevivência de um homem e de sua história, mas o triunfo de sua pretensão de ser o mediador absoluto da salvação, então a fé na sua ressurreição constitui um momento intrínseco dessa ressurreição e não a tomada de consciência de um fato que por sua natureza poderia existir exatamente o mesmo sem ser conhecido. Se a ressurreição de Jesus há de ser a vitória escatológica da graça de Deus no mundo, não é possível concebê-la sem uma fé efetiva (ainda que livre) nela, uma fé na qual culmina a própria natureza da ressurreição".

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

KARL BARTH (1886-1969)

Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX. Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas. Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à Epístola aos Romanos.

Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em 1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia kerigmática,teologia da Palavra.

Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols., 1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de “crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo para os cristãos de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-poder, e justamente assim dar glória a Deus”

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"

"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da 'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar, que não seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer a vontade de Deus"

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da Palavra que age em nós e que é o Senhor".

"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus... Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)

Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Sarcenat, Clermont-Ferrand, na França, em 1881. Ingressou na Companhia de Jesus em 1899, ordenou-se sacerdote em 1911 e lecionou geologia e paleontologia no Instituto Católico de Paris de 1920 a 1923. Em seguida, permaneceu no Oriente (China, Índia, Birmânia, Java) até 1946, com vários períodos de estudo passados nos Estados Unidos e na Somália-Etiópia. Em 1923, descobriu a civilização paleolítica do deserto de Ordos, depois participou das escavações de Chou-k'ou-tien, que levaram à descoberta do sinantropo (Sinantropos pekinensis). Retornou à pátria em 1946 e esteve novamente nos Estados Unidos em 1951 e em 1953, encarregado de organizar as pesquisas antropológicas no sul da África.

Famoso como cientista, seu pensamento religioso e teológico, porém, só teve sucesso e difusão mundial após sua morte, sobretudo devido à publicação de numerosas obras ainda inéditas, que indicavam à teologia contemporânea novos caminhos de investigação, mais arrojados, baseados na antropologia e na interpretação evolucionista da criação.

Toda sua vida e obra se resume nestas palavras: 'Sou um cidadão do Céu e um cidadão da Terra'. Dedicou-se arduamente aos estudos paleontológicos e biológicos, enquanto era um homem de profunda espiritualidade e vida interior. Procurou fazer uma síntese entre Cristianismo e Evolucionismo.

Dentre seus escritos mais famosos destacam-se: "O coração da matéria" (1950), "O fenômeno humano" (1955), "O surgimento do homem" (1956), "O lugar do homem na natureza" (1956), "O meio divino" (1957), "O futuro do homem" (1959), "A energia humana" (1962), "Ciência e Cristo" (1965).

O Santo Ofício chegou mesmo a divulgar um monitum, ou advertência simples, para a aceitação das idéias do religioso, no entanto, suas idéias marcaram e influenciaram profundamente o Concílio Vaticano II. Teilhard de Chardin regressou à França em 1946, mas ante a impossibilidade de publicar seus textos - que circularam em exemplares mimeografados e só foram editados após sua morte - transferiu-se para os Estados Unidos. Ingressou então na Fundação Wenner-Gren, de Nova York, que patrocinou, nos últimos anos de sua vida, duas expedições científicas ao continente africano.

As teorias teilhardianas, que tendem a interpretar a inspiração cosmológica e escatológica do cristianismo primitivo à luz da ciência moderna, embora recebidas com suspeitas e entre violentas polêmicas, contribuíram para a aproximação entre cristianismo e mundo científico moderno. Em 1950, Teilhard foi nomeado membro da Academia de Ciências de Paris.

Teilhard de Chardin morreu em Nova York, em 10 de abril de 1955, no domingo de Páscoa. Ele teria dito algumas semanas antes numa conversa com amigos: "Seria tão bom morrer na Páscoa!".

PENSAMENTOS DE TEILHARD DE CHARDIN

"Em virtude da criação, e mais ainda da Encarnação, nada é profano neste mundo, para quem sabe ver".

"Ter consciência de que o trabalho humano aperfeiçoa o reino de Deus, e que o esforço é uma participação na Cruz de Cristo, eis o privilégio do homem cristão. É a Deus e a Deus somente que ele forma através da realidade das criaturas".

"Eu amo-Vos Jesus pela multidão que se abriga dentro de vós, que ouço, com todos os outros seres, falar, rezar, chorar, quando me junto a Vós".

"Se não nos amarmos uns aos outros pereceremo, porque para ser mais é preciso unir sempre mais"."Ser é unir-se a si mesmo, ou unir os outros"

"É um dever sagrado para o cristão, em matéria de verdade humana, pesquisar e comunicar o que ele encontra aos profissionais e em nível profissional".

"Porque o Cristo é Ômega, o Universo está fisicamente impregnado, até no seu âmago material, da influência de sua natureza sobre-humana. A presença do Verbo encarnado penetra tudo como um Elemento Universal".

"Jesus crucificado não é um rejeitado ou um vencido. Pelo contrário. Ele é Aquele que carrega o peso e que sobreleva sempre, em direção a Deus, os progressos da marcha universal".

"Se meus escritos são de Deus, passarão. Se não são de Deus, só resta esquecê-los".

"O futuro é como as águas sobre as quais se aventurou o Apóstolo: carrega-nos na proporção de nossa fé".

"O Cristianismo mais tradicional, o do Batismo, da Cruz e da Eucaristia é susceptível de uma tradução onde passa o melhor das aspirações contemporâneas".

"Se eu pudesse mostrar apenas, por um instante que fosse, aquilo que eu vejo, acho que valeriam a pena todos os esforços de uma vida inteira".

"A única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte".

"A coisa mais impossível de se deter no Mundo é a marcha de uma idéia. Nada poderia jamais impedir o Homem de procurar tudo pensar e tudo experimentar até fim".

"Tu que feres e curas, tu que resistes e és dócil, tu que arruínas e que constróis, tu que acorrentas e que libertas - seiva de nossas almas, Mão de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo!"

"Quando, pela primeira vez, num ser vivo, o instinto se percebeu no espelho de si mesmo, foi o Mundo inteiro que deu um passo".

"Quanto mais o Homem se tornar Homem, menos aceitará se mover senão em direção do interminavelmente e indestrutivelmente novo: ... o Absoluto".

"O homem não é apenas um ser que sabe, mas é também um ser que sabe que sabe".

"A alma humana é feita para não estar sozinha".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior".

"Todos os sofredores da Terra juntando seus sofrimentos para que a dor do Mundo se torne um grande e único ato de consciência, de sublimação e de união: ... uma das mais altas formas da obra da Criação".

"O Universo, considerado em seu conjunto, tem um fim e não pode errar de direção, nem parar no caminho".

"Todos os que querem afirmar uma verdade antes do tempo arriscam-se a descobrirem-se heréticos".

"Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo."

"Nosso Cosmo, no fundo, não é senão o lento nascimento de uma consciência universal".

"Amar a Deus não somente 'de todo o seu corpo e de toda a sua alma' mas detodo o Universo em evolução".

"Eu creio que o Universo é uma Evolução. Eu creio que a Evolução vai para o Espírito. Eu creio que o Espírito, no Homem, se conclui no Pessoal. Eu creio que o Pessoal supremo é o Cristo-Universal".

"Quando o Cristo, prolongando o movimento da sua encarnação, desce ao pão para substituí-lo, sua ação não se limita à parcela material que sua Presença vem, por um momento, volatizar. Mas a transubstanciação se aureola de uma real, ainda que atenuada, divinização de todo o Universo. Do elemento cósmico em que se inseriu, o Verbo age para subjugar e assimilar a Si todo o resto".

"Aquele que amou apaixonadamente a Jesus escondido nas forças que fazem morrer a Terra, a Terra, desfalecendo, abraçá-lo-á maternalmente em seus braços gigantes, e, com ela, ele despertará no seio de Deus".

"O grande acontecimento de minha vida foi a gradual identificação de dois sóis no céu de minha alma, sendo um o ápice cósmico postulado por uma evolução generalizada do tipo convergente e outro constituído pelo Jesus da fé cristã".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior".

"Cada um de nós, quer queira quer não, liga-se, por todas as suas fibras materiais, orgânicas e psíquicas, a tudo que o circunda".

"Cada indivíduo carrega em si algo de todo o interesse final do Cosmo".

"Quando o sacerdote pronuncia as palavras: 'Isto é o meu corpo', as palavras incidem diretamente sobre o pão e diretamente transformam-no na realidade individual do Cristo. Mas a grande ação sacramental não pára neste acontecimento local e momentâneo... Há uma 'eucaristização' de toda a criação".

“Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.

ROMANO GUARDINI (1885-1968)

Teólogo católico ítalo-alemão. Nasceu em Verona, na Itália, em 1885. Filho de um cônsul italiano, com um ano apenas, Romano Guardini se transferiu para a Alemanha. Estudante de química e de economia em Tubinga e em Berlim, cursou os estudos eclesiásticos e foi ordenado sacerdote. Foi professor de dogmática em Bonn (1922), de filosofia católica em Berlim (1923) e mestre na arte da linterpretação; exerceu uma considerável influência na juventude católica alemã depois da I Guerra Mundial. Sua cátedra foi suprimida em 1939 pelo regime nacional-socialista. Em 1945 foi convidado a ensinar na Universidade de Tubinga e, a partir de 1948, na de Munique, donde expunha seu próprio pensamento sobre uma cosmovisão católica do mundo. Para sustituir-lhe, depois de sua jubilação, se chamou a Karl Rahner. Em 1952 obteve o premio da paz dos livreiros alemães.

Não pertencendo à linha tomista, nem por isso foi menos obediente à tradição evangélica e patrística, procurou manter um contínuo contato com a cultura e filosofia modernas. Soube dar à mensagem cristã uma expressão moderna, tornando-a atual para um vasto público do século XX. De inspiração agostiniana, sua teologia, que explora amplos espaços da cultura, é mais uma evocação da vida de fé que uma sistematização dogmática.

A vida e a atividade de Romano Guardini têm sido a de um extraordinário e sábio professor. Sua numerosa obra persegue uma interiorização psicológica e poética de fundamento teológico, ao mesmo tempo que uma visão unitária e total da existência humana. A concessão do prêmio Erasmo, em 1961, foi o reconhecimento a um homem e à sua obra que contribuíram com a reconstrução da Europa na pax christiana e na cultura clássica. Permanecem para sempre as suas obras como O espírito da liturgia (1918), sem dúvida, o livro que mais contribuiu para fomentar o movimento litúrgico anterior ao Vaticano II.

Sua influência na teologia católico-romana do século XX foi grande. Isto pode ser visto especialmente em dois campos: o diálogo entre teologia e literatura (como fez, por exemplo, nos seus estudos sobre Dante), e a liturgia.

A teologia de Guardini é a suma de uma experiência, de uma práxis teológica espiritual e concreta. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma pesquisa científica, sistemática, elaborada mediante método rigoroso e orgânico e, ao mesmo tempo, de caráter vital. O centro de sua teologia é a cristologia. Ao Cristo dedicou muitas obras e artigos.

Através de seus livros e conferências, Guardini fez da teologia e do pensamento cristão uma forma original, cheia de sensibilidade e de cultura, para aproximar-se do homem culto de hoje. Como P. Lippert, Karl Adam e outros, Guardini permanecerá como o renovador culto do pensamento cristão que prepara o caminho para o Concílio Vaticano II.

Entre suas muitas obras, cabe recordar O espírito da liturgia (1917), Cartas de autoformação (1922), O universo religioso de Dostoievski (1933), A morte de Sócrates (1934), Pascal (1934), A essência do cristianismo (1939), Liberdade, graça e destino (1948), A aceitação de si mesmo (1950) e O Senhor (1954).

Romano Guardini faleceu em Munique, em 1968.

PENSAMENTOS DE ROMANO GUARDINI

“O Homem, em geral, não reza de bom grado e experimenta facilmente tédio na oração, constrangimento, repugnância e até animosidade. Qualquer ocupação lhe parece mais interessante e importante e diz para si próprio: 'Não tenho agora tempo para rezar' ou 'agora é mais urgente fazer aquilo'. E geralmente o tempo não empregue na oração é desperdiçado nas coisas mais supérfluas.”

“Salvação quer dizer que a pessoa e a vida aí reencontram o próprio significado (...) em um sentido absoluto. Salvação quer dizer que o ser daquele que faz a experiência é preenchido e ordenado segundo uma linha de valores definitivos, justamente por meio do relacionamento com a realidade numinosa [realidade original, da qual decorre a realidade fenomênica] que se lhe manifesta; que, por meio dela, as perguntas sobre a causa, o sentido e a meta de sua vida recebem a verdadeira e última resposta”.

“A natureza, designa a totalidade das coisas; tudo o que é. Mais exatamente: tudo o que existe antes que o homem faça alguma coisa. E então: as estrelas, a terra, suas plantas, seus animais, e também o homem enquanto realidade orgânica e espiritual. Isso tudo se oferece à experiência como algo de profundo, de potente, de magnífico; como uma plenitude de vida à nossa disposição; mas logo depois também como uma lição para o nosso conhecimento, para a nossa conquista e para a nossa transformação”.

“Ser pessoa significa que não posso ser habitado por nenhum outro, e que, na relação comigo próprio, me encontro só comigo; que não posso ser representado por nenhum outro, e que sou único".

"A terra está impregnada de um êxtase cósmico: existe nela uma realidade e uma presença eterna que, normalmente, dorme sob o véu do cotidiano. A realidade eterna deve ser revelada agora, como numa epifania de Deus, através de tudo o que existe".

"O homem que envelhece vai tomando gradativamente consciência de que não é eterno. Agita-se menos e, assim, os sons das vozes que vêm do além se fazem ouvir".

“A realidade religiosa toca o ponto mais vivo do homem, o centro mais sensível do seu ser pessoal. Desperta, porém, afetos muito específicos, que se referem somente a ela: uma forma especial de pudor, de reverência, de temor, de desejo, de amor, de zelo, de beatitude, de confiança. Mas ela afeta também o centro normativo do homem, sua ‘consciência moral’ (...) O religioso toca essa consciência; propõe para ela suas exigências, sem forçar, apenas através do significado e do que é direito: o homem deve fazer ou deixar de fazer determinadas coisas, orientar em certa direção sua vida. Ele não pode contestar o direito desta exigência que lhe é proposta, pois ela é evidente. Pode apenas rejeitá-la, desobedecer-lhe, evitá-la (...) A experiência religiosa abre um ‘mundo’, entendida essa palavra no sentido objetivo e subjetivo: uma coordenação de coisas e fatos, de relações entre os homens e as coisas, de ações e de obras, de experiências e situações, toda uma outra ‘vida’”.

“Quanto melhor compreendermos a figura da mãe do Senhor a partir do Novo Testamento, melhor compreenderemos e viveremos a nossa vida cristã, tal como ela é realmente. Ela é aquela que trouxe o Senhor no mais profundo de si mesma; através de toda a sua vida e até na morte. Continuamente teve de experimentar como Ele, vivendo do mistério de Deus, dela se afastava. Continuamente se elevava Ele para mais alto, e assim foi ela sendo trespassada pela «espada» (Lucas 2,35); mas, sempre também, ela se ergueu mercê da fé até Ele, e O envolveu de novo. Até que, por fim, Ele não quis mais ser seu filho. O outro, que estava ao pé dela, devia tomar o seu lugar. Jesus estava só, ao alto, no cume mais agudo da criação, perante a justiça de Deus. Mas ela, numa compaixão derradeira, aceitou a separação — e, graças a isso, voltou de novo, na fé, para junto dEle. Sim, a verdade, «feliz aquela que acreditou!»”

HANS URS VON BALTHASAR (1905-1988)

Teólogo jesuíta suíço, nascido em 1905, em Lucerna. Foi um dos mais importantes do século XX (considerado o favorito do papa João Paulo II, que o fez cardeal nos últimos dias de sua vida). Estudou germanismo e filosofia em Viena, Berlim e Zurique (1923-1929) e filosofia e teologia em Lyon e Pullach (1929-1938).

Depois de ser ordenado sacerdote, exerceu seu ministério em Munique, Zurique e Basilea como capelão de estudantes. Sua obra recolhe as incitações mais fecundas do pensamento alemão e francês e da teologia cósmica dos padres gregos.

Ordenado padre em 1936, von Balthasar foi jesuíta até 1950. Nesse ano deixou a Sociedade de Jesus, como consequência de, no desempenho da sua missão, se ter tornado amigo e confessor de Adrienne von Speyr, uma viúva convertida ao catolicismo. As suas visões e escritos místicos, bem como a "Comunidade de S. João" (para leigos, fundada pelos dois), não eram reconhecidos pela Igreja, pelo que o teólogo se desvinculou dos jesuítas, como "aplicação da obediência cristã a Deus".

O teólogo que defendia uma "teologia ajoelhada", isto é, o pensamento teológico tem de estar ligado à oração e à adoração, em vez de ser mera análise sistemática, foi o grande ausente do Concílio do Vaticano II, embora ideias como a da Igreja santa mas "sempre necessitada de purificação e de penitência" lhe sejam caras.

Von Balthasar deixou uma importante coleção de escritos — alguns deles, tratados teológicos de grande profundidade. Balthasar também deixou obras leves, como "A tríplice guirlanda", que é um comentário sobre a Ave Maria.

Segundo outro grande teólogo, Henri de Lubac, ele era "o homem mais culto do nosso tempo"; ele "tentou colocar o tema da beleza como fundamento da reflexão teológica", explica o monge Enzo Bianchi. Von Balthasar quis construir uma teologia que intui na beleza da "figura" de Cristo o caminho fundamental para se chegar ao cristianismo. Os outros dois pontos fundamentais, a verdade e a bondade, não têm nenhuma possibilidade de atrair o homem, a não ser que este se sinta atraído pela beleza de Cristo crucificado, irradiada sobre todo o cosmos através da ressurreição. Segundo Balthasar existem três maneiras de entrar em contato com a beleza de Cristo: a Sagrada Escritura, definida como "espelho", "imagem canônica"; a Eucaristia, "mistério de fé", ou representação da plenitude da salvação cristã; e a Igreja, "forma imperfeita", que torna perceptível a beleza de Cristo.


Diz-se que Hans Urs von Balthasar era o teólogo preferido de João Paulo II. E, de fato, não pelas suas preferências, mas pelo contributo dado à Teologia e à Igreja, o Papa Wojtyla nomeou-o cardeal. A recepção do título, apenas honorífico, visto não poder participar em um conclave, estava marcada para 28 de Junho de 1988. Hans Urs von Balthasar entra para a glória do Senhor dois dias antes, quando se preparava para celebrar Missa.

Seus títulos mais representativos são, entre outros, A essência da verdade (1942), Teologia da história (1950), A oração contemplativa (1955), O problema de Deus no homem atual (1956), Glória, uma estética teológica (1961-1969), Pneuma e instituição (1974) e Se não vos fazeis como esta criança (1985). Em 1988 foi promovido ao cardinalato e criado cardeal a título póstumo.

Von Balthasar faleceu em 1988, em Basilea.

PENSAMENTOS DE HANS URS VON BALTHASAR

O texto seguinte se refere à cena do Evangelho em que Maria e José perdem Jesus, até o encontrarem no Templo.

"'Por que você fez isso conosco — diz a Virgem? Eu e o seu pai te procurávamos aflitos!' Ele (o Cristo) não pode poupá-los desse sofrimento. Só nessa busca um cristão pode 'encontrar'; uma busca tão séria que é como se tudo dependesse dessa coisa que se quer encontrar. Não há outra recomendação para a vida cristã a não ser esta: só podemos encontrar Jesus no lugar onde ele se entregou a Deus. Todo cristão deve procurá-lo 'entre parentes e conhecidos', para cima e para baixo da estrada; mas no final, sempre ouviremos dele as palavras: 'Não sabíeis que eu devo tratar das coisas do meu Pai?' Muito provavelmente, como Maria e José, a princípio não entenderemos nada, e teremos de procurar ainda mais. Maria Madalena o procura no sepulcro, mas depois que Ele se deixa encontrar, ela tenta segurá-lo, e ele desaparece. Da mesma forma, ele some da vista dos discípulos de Emaús no momento em que, finalmente, eles conseguem identificá-lo. Nós só o encontramos definitivamente 'no lugar do Pai', no céu, — isto é, quando 'encontrar' já não significa delimitar Deus no nosso próprio espaço, mas significa que nós fomos 'encontrados' por Deus, que nós entramos no espaço Dele, que nós somos 'conhecidos por Deus', como diz são Paulo. 'Deus é infinito, de modo que continuaremos procurando por Ele mesmo depois de tê-lo encontrado' (Santo Agostinho)".

"Esse total dom de si, para o qual o Filho e o Espírito Santo respondem, repetirão, significa algo como uma "morte", uma primeira e radical "kenose", se se quiser: uma "super morte", que se encontra como aspecto de todo amor e que fundamentará no interior da criatura tudo aquilo que nela poderá ser uma boa morte: do esquecer-se de si mesma pela criatura amada até aquele supremo amor que "dá a vida por seus amigos" .

"A Teologia é uma ciência 'de joelhos'".

"A infância e a morte estão uma ao lado da outra: o seu mistério essencial chama-se simplesmente. entregar-se a si mesmo de forma completa. A criança manifesta-se no mundo nua no corpo e nua do espírito, enquanto inerme deve confiar-se ao mistério do Pai. Tudo aquilo que se encontra entre onascimento e a morte constitui um parêntese. A sua seriedade faz parte do jogo de Deus: todavia, no início e no final revela-se sem qualquer obstáculo o modo de jogar: o Filho do Pai, que procede eternamente dele, volta para Ele também de forma eterna, e em cada instante de tempo. E nós, crianças, somos convidados a participar precisamente neste jogo"

"Em todas as culturas não cristãs a criança tem uma importância somente marginal, porque é simplesmente um estado que precede o homem adulto. Necessita-se da encarnação de Cristo para que possamos ver não somente a importância antropológica, mas também aquela teológica e eterna do nascer, a bem-aventurança definitiva do ser a partir de um sinal que gera e dá à luz"

"Tudo o que é humano é argila nas mãos do Criador e Redentor".

"Para os cristãos não existe qualquer motivo que os leve a restringir o conceito de espiritualidade ao espaço cristão"

"Se agora passamos a ver as coisas através da espiritualidade da ação (Aristóteles), tem de dizer-se então que ela (espiritualidade da ação) é justamente importante para o Eros absoluto. Mais ainda: ela desempenha na espiritualidade humana um papel indispensável e decisivo, no sentido de que ajuda e facilita ao Eros a consecução da sua tarefa, qual é a de permanecer ativamente no espaço mundano, visto como lugar obrigatório do seu exercício, provação, educação e purificação. Este campo de atividade é para o homem necessariamente duplo: primeiro, porque é Eros entre o Eu e o Tu, não só à dimensão sexual, como também à supra-sexual, ao nível da amizade; depois, porque é também Eros como entrega à sociedade (povo, estado, humanidade) e à comum empresa de humanidade (cultura, técnica e progresso). Esta dualidade característica do Eros assenta porém na própria essência do homem: ele é efetivamente uma pessoa exclusiva, quando visto na sua relação ao corpo. Mas simultaneamente ele é também espírito e como tal aberto e obrigado a ser universal (…) Em todo o caso, é devido à estrutura do Eros, olhado como desejo de realização do Espírito, que o homem se sente obrigado a colaborar com os outros homens para a construção do mundo, sem com isto dizer que o Eros deve terminar a sua atividade no espaço humano ou mundano"

"A estrutura interior do Evangelho exige que, para imitar a Cristo, o homem tenha de arriscar tudo numa só jogada, sem se importar com mais nada. O deixar tudo é absoluto e exclui até o olhar para trás, pela última vez, exclui qualquer conciliação entre seguir Jesus e o adeus à casa paterna, entre Jesus e o dever de sepultar o próprio pai, entre Jesus e qualquer outra coisa que pudesse condicionar o caráter absoluto da entrega"

"Tudo depende – se quisermos ver autenticamente segundo o Espírito Santo – da capacidade de redescobrir o Evangelho através duma nova abertura interior. E quanto mais direta e profundamente a abertura do olhar interior conduzir para o centro do Evangelho, tanto mais verdadeira e eclesial será então a espiritualidade. Nenhum enviado verdadeiro acreditou ou pretendeu fundar, através da missão que lhe foi confiada, uma nova espiritualidade. Por isso mesmo se tornam desde o princípio suspeitas, e com toda a probabilidade estéreis, as tentativas dum indivíduo, dum grupo ou dum Estado, para criar e configurar até ao último pormenor uma espiritualidade nova e própria. Os grupos aos quais o Espírito não presenteou com carismas especiais devem estar agradecidos com o fato de poderem permanecer no anonimato da Ecclesia ancilla e nele poderem levar a cabo uma existência dedicada ao serviço do amor"

"Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas."