segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

GUSTAVO GUTIERREZ MERINO (1928- )

Gustavo Gutiérrez Merino nasceu em Lima, Peru, em 8 de junho de 1928. É é um teólogo peruano e sacerdote dominicano, considerado por muitos como o fundador da Teologia da Libertação.

Sofreu de
osteomielite na infância e adolescência, permaneceu em cadeira de rodas dos doze aos dezoito anos. Ao recuperar a mobilidade, estudou medicina e letras na Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Foi militante da Ação Católica, o que o motivou a aprofundar os estudos teológicos. Decidido pelo sacerdócio, entrou para o seminário em Santiago do Chile. Estudou Filosofia e Psicologia na Universidade Católica de Louvain, Bélgica. Seus estudos de Teologia foram efetuados na Universidade Católica de Lyon, França, na Universidade Gregoriana de Roma e no Instituto Católico de Paris, chegando ao grau de doutor.

Foi ordenado sacerdote em 1959. Gutierrez, na década de 60, foi o primeiro a falar na igreja dos pobres e, na década seguinte, elaborou o conceito teológico propriamente dito. É considerado por muitos o pioneiro na sistematização da
Teologia da Libertação na década de 70, quando lançou o livro Teologia da Libertação. Na obra Teologia da Libertação, focaliza que o nosso Deus é o Deus da Aliança com os marginalizados e desclassificados. No livro, Gutierrez afirma que o cristianismo da misericórdia não devia ser apenas da assistência pela esmola, mas do compromisso com a superação das desigualdades sociais. Dessa forma, a Teologia da Libertação oferecia uma nova espiritualidade para o engajamento paroquial, comunitário e religioso. Isso se manifestou num "novo jeito de ser Igreja", que se concretizou nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Nos anos 80 sofreu processo da Cúria Romana, que acusava sua obra de reduzir a fé à política.
Gutiérrez cria, no fim dos anos 60, um método teológico desde e para a América Latina pobre e oprimida. Deu a essa reflexão da fé a partir do reverso da história o nome de Teologia da Libertação. Seu raio de projeção tem sido verdadeiramente impressionante: desde a teologia negra, índia, asiática, feminista, ecológica e das religiões até a teologia judaica e palestina da libertação. Gustavo é o primeiro latino-americano a se situar de igual para igual entre os grandes criadores dentro da história da teologia.

Em 1998 ingressou como noviço na
Ordem dos Pregadores.
Possui 23 títulos de
Doutor Honoris Causa outorgados por universidades de diversos países: 5 no Peru, Argentina, Holanda, Suiça, dois na Alemanha, dez nos Estados Unidos, dois no Canadá e também na Escócia, obtidos entre 1979 e 2006. Ganhou o Prémio Príncipe das Astúrias em 2003 na Categoria Comunicação e Humanidades.

Atualmente Gutierrez vive e trabalha entre os pobres em Lima. Em seus livros, Gutiérrez explica sua visão da pobreza cristã, como um ato de amor e solidariedade com os pobres e um protesto libertador contra a pobreza. Gutiérrez continua tendo responsabilidade pastoral na Igreja do Cristo Redentor em Rimac. Gutiérrez é também professor de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Lima.

No movimento da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez ocupa um lugar em destaque. A ele deve-se a primeira obra sistemática de reflexão crítica a partir da práxis histórica da libertação em confronto com a palavra de Deus, acolhida e vivenciada na fé. Em sua ótica, a teologia é representada com um ato segundo, que supõe como ato primeiro não uma práxis qualquer, mas a práxis da fé, isto é, uma espiritualidade caracterizada pelo compromisso com o outro - que no contexto latino-americano é o empobrecido - e, então, pela luta em prol da justiça que o Deus da vida não só comanda mas compartilha. Trata-se de uma teologia "do avesso da história", que se deixa provocar pela indentificação de Cristo com os oprimidos e leva os cristãos a "descer do inferno deste mundo", e a "comungar com a miséria, com a injustiça, com as lutas e com as esperanças dos condenados da Terra, porque deles é o Reino dos Céus". Nesse sentido, o objetivo da teologia é "apologético" no significado mais elevado: dar testemunho do Deus da vida que escuta o grito do pobre.

Obras:

- Teologia da libertação
- O Deus da vida
- A força histórica dos pobres
- Beber no próprio poço - Itinerário espiritual de um povo.

PENSAMENTOS DE GUSTAVO GUTIERREZ

"Vivemos numa época dominada pela economia liberal, ou, se se preferir, neoliberal. O mercado irrestrito, chamado a regular-se com as suas próprias forças, passa a ser o princípio, quase absoluto, da vida económica. O célebre e clássico "deixar fazer" do início da economia liberal postula hoje de forma universal – pelo menos na teoria – que toda a intervenção do poder político, mesmo para atender a necessidades sociais, prejudica o crescimento económico e redunda em prejuízo geral. Por isso, se se apresentam dificuldades nos rumos económicos, a única solução é mais mercado."

"Não há duas histórias, uma da filiação e outra da fraternidade, uma em que nos fazemos filhos de Deus e outra na qual nos tornamos irmãos entre nós. É isso o que o termo ´libertação` quer destacar".

"Na raiz de nossa existência pessoal e comunitária se acha o dom da autocomunicação de Deus, a graça de sua amizade enche de gratuidade a nossa vida. Faz-nos ver como um dom nossos encontros com os outros homens, nossos afetos, tudo o que acontece".

"Assim, desprendidos de nós mesmos, chegamos ao outro libertos de toda tendência de impormos uma vontade que lhe seja alheia, respeitosos de sua própria personalidade, de suas necessidades e de suas aspirações. Dado que o próximo é o caminho para chegarmos a Deus, a relação com Deus será a condição necessária para o encontro, para a verdadeira comunhão com o outro".

"A verdade é que um cristianismo vivido no compromisso com o processo libertador, apresenta problemas próprios que não se podem descurar e encontra escolhos que importa superar. Para muitos, o encontro com o Senhor, nessas condições pode desaparecer em benefício do que ele próprio suscita e alimenta: o amor do homem. Amor que desconhecerá, então, toda a plenitude que encerra".

"Neste contexto, a teologia será uma reflexão crítica a partir de e a respeito da práxis histórica diante da palavra do Senhor acolhida e vivida na fé".

"Mais do que o pai da Teologia da Libertação, eu gostaria de ser conhecido como um daqueles que contribuíram para libertação da Teologia".

"Senti-me muito tocado pela fundamentação do júri que outorgou o prêmio, por sua referência ao mundo pobre e à América Latina, aos quais escolhi dedicar minha vida. Pode ser que a Teologia da Libertação não esteja mais atual. Infelizmente, porém, desgraçadamente, permanece atual a realidade da pobreza que suscitou o seu nascimento".

"Conversão significa transformação radical de nós mesmos, significa pensar, sentir e viver como Cristo presente no homem despojado e alienado."

"O discurso sobre Deus vem depois do silêncio da oração e do compromisso."

"Precisamos conceber a história como um processo de libertação de homens e mulheres no qual este vão assumindo conscientemente seu próprio destino..."

"A fé não é coisa que se conserve num cofre-forte para a proteger, é vida que se exprime no amor e na dedicação aos outros. Nos Evangelhos ter medo equivale a não ter fé... A parábola dos talentos ensina-nos que uma vida cristã, baseada não na formalidade, na auto-proteção e no medo, mas na gratuidade, na coragem e no sentido do outro, constitui a alegria do Senhor. E a nossa".

"Para mim fazer teologia é escrever uma carta de amor ao Deus em que eu creio, ao povo ao que pertenço e a Igreja da que formo parte"

"Além de qualquer dúvida, a vida do pobre é marcada pela fome e pela exploração, cuidado médico inadequado, ausência de habitação digna, dificuldade em alcançar alguma educação, salários injustos e desemprego, lutas por seus direitos e também repressão. Ma não é tudo. Ser pobre é também uma forma de sentir, conhecer, pensar, fazer amigos, amar, crer, sofrer, celebrar e rezar. O pobre constitui um mundo em si mesmo. Compromisso com o pobre significa entrar e, por vezes permanecer neste universo, com uma consciência muito mais clara; significa ser um dos seus habitantes, olhando para ele como local de residência e não só de trabalho. Não significa ir a este mundo pontualmente, para testemunhar o Evangelho, mas antes, dele emergir, cada manhã, com o propósito de proclamar as boas novas a todo ser humano… Vemos com clareza crescente que se exige uma imensa dose de humildade para que as pessoas se comprometam com os pobres dos nossos dias".

"Uma espiritualidade é uma forma concreta, movida pelo Espírito, de viver o Evangelho. Maneira precisa de viver 'diante do Senhor' em solidariedade com todos os homens, 'com o Senhor' e diante dos homens"

"Aos países pobres não interessa repetir o modelo dos países ricos, entre outras coisas, porque estão cada vez mais convencidos de que a situação daqueles é fruto da injustiça, da coerção. Para eles, trata-se de superar, é certo, as limitações materiais, a miséria, mas para chegar a um tipo de sociedade que seja mais humana".

"Uma teologia que não se situe no contexto de uma experiência de fé corre o risco de converter-se numa espécie de metafísica religiosa, numa roda que gira no ar sem mover o carro"

"A espiritualidade é uma aventura comunitária, passo de um povo que percorre o próprio caminho, em seguimento a Jesus Cristo, através da solidão e das ameaças do deserto. Experiência espiritual que é o poço do qual teremos de beber. Ou, quem sabe, na América Latina de hoje, o nosso cálice, promessa da ressurreição".

"Situar-se na perspectiva do Reino é participar da luta pela libertação dos homens oprimidos por outros homens. Isto é o que começaram a viver muitos cristãos, ao comprometer-se com o processo revolucionário latino-americano. Se esta opção parece afastá-los da comunidade cristã, é porque muitos nela, empenhados em domesticar a boa-nova, olham-nos como membros agressivos e até perigosos"

"Uma espiritualidade da libertação deve estar impregnada de vivência de gratuidade. A comunhão com o Senhor e com todos os homens, é antes de tudo, um dom. Daí a universalidade e a radicalidade da libertação trazida por Ele"

"Mais do que teologias, os testemunhos vividos é que assinalarão e já estão assinalando o rumo de uma espiritualidade da libertação".

MARIE-DOMINIQUE CHENU (1895-1990)

Marie-Dominique Chenu, OP (1895-1990), foi teólogo francês com grande influência no Concílio Vaticano II. Nascido em Soisy-sur-Seine, França, a 7 de janeiro de 1895, e falecido a 11 de fevereiro de 1990, com 95 anos.

Entrou para a Ordem dos Pregadores em 1913 e concluiu os seus estudos, em Roma, em 1920, tornando-se professor no convento de Le Saulchoir. Especialista em história da Idade Média, foi efetuando também estudos teológicos. Um dos seus primeiros livros Une école de teologie (1937), foi em 1942 colocado no Index, o índice dos livros proibidos da Igreja Católica. Soube da notícia pela rádio e profundamente afeta, tanto mais que era superior do seu convento, nessa mesma noite demitiu-se do seu cargo directamente ao arcebispo de Paris, que lhe disse para ter calam, pois «dentro de 20 anos todos falaremos como você». Depois da II Grande Guerra, entre 1946 e 1952 foi professor na Universidade da Sorbone, em Paris. Reabilitado, ainda que não de forma completa, pois apenas pode participar no Concílio Vaticano II como consultor de um bispo de Madagascar, veio a ser reconhecido como um dos mais influientes teólogos do século XX.

Foi diretor do Bulletin thomiste de 1924 a 1934; diretor da Revue des sciences philosophiques et théologiques de 1928 a 1934; fundador do Institut d'études médiévales, anexo à Universidade de Montreal (em 1932); membro da Société de philosophie, de Lovaina; presidente da Société thomiste; colaborador de numerosas revistas de teologia, filosofia e história; consultor do Secretariado para os não-crentes.

Foi fundador da revista teológica Concilium. Grande especialista em Santo Tomás de Aquino.
Um primeiro olhar aos escritos de Chenu pode dar a impressão de haver um certo dualismo em sua obra: parece que de um lado está o historiador, de outro o teólogo; de um lado, como disse o próprio Chenu em uma conferência a um grupo de seminaristas, parece estar "um velho medievalista de certa fama, imerso na leitura de textos antigos, estofado de erudição, ligado aos velhos séculos da cristandade, em uma tradição que se obstina a manter-se em meio ao mundo contemporâneo; do outro, um jovem que se lança indócil na confusão do mundo contemporâneo, extremamente sensível aos seus apelos, pronto a enfrentar os problemas delicados do mundo e da Igreja. E, por isso, discutido e até mesmo suspeitado junto a certas pessoas". Na realidade, assegura-nos o próprio interessado, há um só e idêntico Chenu; nele, o historiador da idade Média e o teólogo moderno constituem uma só coisa. Foi o historiador que ensinou ao teólogo, a distinguir nas coisas, aquilo que é perene daquilo que é mutável, e que o tornou sensível aos sinais dos tempos. Somente um profundo conhecedor da história da Igreja, da humanidade e da teologia, poderia delinear as soluções que ele elaborou para os difíceis problemas da natureza e das tarefas da teologia, da missão da Igreja no momento presente, do valor da matéria, das realidades terrestres, do trabalho, da socialização e de outros aspectos típicos do nosso tempo.


A produção de Chenu no campo especulativo não é muito vasta. Ele excluiu conscientemente a hipótese de reescrever a teologia do início ao fim, como se tudo o que foi feito pelos teólogos do passado carecesse de valor. Chenu não compartilha o parecer daqueles que consideram a teologia de nossos antepassados como totalmente envelhecida e morta. Segundo ele, no que se refere a certos problemas, ela pronunciou uma palavra que vale para sempre e cunhou uma linguagem teológica que não é defeituosa nem incompreensível. Ao contrário, ele fez ver que a teologia medieval possui um repertório lingtiístico inexaurível, além de doutrinas de valor perene. Chenu não concebe a teologia como uma empresa individual, que cada qual pode tentar por conta própria, mas sim como um trabalho da Igreja inteira, um trabalho que se realiza lenta e continuamente, através da obra dos teólogos em particular. Coerente com essa concepção, ele assumiu a tarefa de ampliar o saber teológico em algumas direções ainda inexploradas, mas de capital importância, dada a situação em que se debate atualmente a humanidade. E, assim, enfrentou os problemas do valor da matéria, do trabalho, da socialização, das tarefas do laicato, da natureza da teologia. E foi nesses pontos que sua contribuição ao desenvolvimento da teologia tomou-se determinante.


PENSAMENTOS DE DOMINIQUE CHENU

"Dado que a palavra de Deus se exprimiu em linguagem humana, moldando-se às palavras, frases, imagens, estrutura, géneros literários da palavra humana, essa ‘escrita divina’ encontrará as suas vias de inteligibilidade através da interpretação das palavras, das frases, das figuras, dos géneros literários da linguagem humana."

"Aquilo mesmo mediante o qual a teologia é ciência é aquilo pelo qual ela é mística".

"O cristianismo é sem dúvida, o mistério de Cristo que vive, morre e ressuscita em mim. Porém, como se realizou este mistério? Numa incarnaçao, isto é, numa vinda de Deus no tempo e na história. O cristianismo a partir daí não mais é uma evasão; mas uma recapitulação, segundo a própria expressão de S. Paulo. Um retomar e um recuperar de toda a criatura em Cristo, até à divinização através do homem".

"Historia est magistra vitae: máxima admirável que condensa, ao mesmo tempo, uma experiência milenar e um princípio de elevada cultura. É urgente que, contra as reivindicações infantis de uma espontaneidade que se afirma a única criadora, se medite sobre as lições e as leis da História (...). O enraizamento inteligente no passado é a garantia da projecção do futuro; o presente não é mais que o ponto nevrálgico desta dialética."

"Por causa de um errado sobrenaturalismo, alguns teólogos – católicos e protestantes, estes em maior numero – dividiram a realidade ao reduzir a profissão à natureza para enaltecer a vocação com a graça".

"O fato social humano não permanece exterior à incarnaçao, é até o lugar privilegiado da consumaçao da incarnaçao. A humanidade é uma expressao muito simples, porém, vejamo-la em toda a sua força: a humanidade é o corpo místico de Cristo e a entrada na posse do mundo pela qual o homem realiza o destino de toda a criatura, marca, nas suas etapas económicas, o desenvolvimento místico do empreendimento divino".

"O cristianismo situa-se no tempo vinculando-se assim à história. É uma força histórica na transformaçao do mundo e isto, não sómente em virtude de quaisquer benefícios esporádicos, mas como um fermento que faz levedar a massa. A salvação é sem dúvida pessoal e realiza-se numa comunhão exclusiva e íntima com Deus. Não se pode porém efetuar fora da comunidade humana".

"Deus é a verdade substancial, fim plenificador de todos os meus desejos. Não é um conceito, nem são proposições, nem um sistema de pensamento, mas aquele em quem reconheço agora o todo de minha vida, o objeto deleitável de minha felicidade".

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

GHIORGHIU VASILIEVICH FLOROVSKI (1893)

Ghiorghiu V. Florovsky foi um teólogo e sacerdote Ortodoxo. Nasceu nos arredores de Odessa em 28 de agosto de 1893. Na época, seu pai Basílio era capelão e professor de religião num colégio da cidade. Sua mãe, Cláudia Poprouzhenko, descendia do meio clerical. Recebeu a educação inicial de seus pais; herdou deles profunda piedade e um conceito muito elevado do que fosse religião. Assimilou de seus pais um sentido de profunda piedade e um conceito muito elevado de tudo aquilo que diz respeito à religião: a Igreja, os ícones, a liturgia, a Tradição, o clero.

Ingressou na Universidade de Odessa, onde inicialmente estudou história e filologia e depois filosofia, psicologia e ciências naturais (química e fisiologia). Teve duas celebridades entre seus professores: o filólogo e psicólogo N. N. Tange, seguidor de W. Wundt, e o biólogo B. Babkin, discípulo de I. P. Pavlov.

Em 1919, obteve o Philosophiae Magister e a livre docência em filosofia na Universidade de Odessa.

Nesse meio tempo, os comunistas haviam tomado o poder e se aproximavam tempos difíceis para o clero. Em 1920, toda a família Florovsky refugiou-se na Bulgária, juntamente com uma centena de sacerdotes e intelectuais. No ano seguinte, Florovsky deixou e rumou para Praga, onde se estabelecera uma grande colônia de emigrados. Prestou novos exames para obter a livre docência em filosofia. De 1922 a 1926, lecionou Filosofia do Direito na Universidade de Praga.

Durante esse período, Florovsky submeteu todas as suas convicções filosóficas a uma análise crítica: abandonou o idealismo, o kantismo e o racionalismo e voltou à filosofia cristã oriental. Expressão dessa conversão filosófica foi o ensaio intitulado As astúcias da Razão, um severo exame de todos os sistemas filosóficos do século XIX, do hegelismo ao marxismo, ao cientismo de Comte, ao determinismo freudiano ou darwinista, ao naturalismo de Bergson, ao antipsicologismo de Husserl, ao neo-escolasticismo protestante e à tendência acentuadamente jurídica dos católicos romanos. Em todos esses sistemas, Florovsky denuncia a esterilização da espontaneidade criadora do homem, a coisificação da vida e o matematismo dos mistérios. Em seu lugar, propõe uma reabilitação da Tradição cristã oriental, a única, segundo ele, capaz de salvaguardar o sentido do mistério e os direitos da pessoa.

Em 1925, realizou-se um sonho que os teólogos da Diáspora cultivavam há anos: a criação em Paris do Instituto Ortodoxo de São Sérgio, para a formação do clero ortodoxo destinado a prestar assistência às comunidades dos exilados e defender a Ortodoxia. A direção do Instituto foi confiada a Bulgakov; Florovsky assumiu a cátedra de Patrologia. E, assim, nosso teólogo transfere-se de Praga para Paris, onde, em 1932, foi ordenado sacerdote.

Florovsky encontrou no ensino da patrologia o estímulo necessário para redescobrir aquela "Tradição cristã oriental" que se tornara o seu novo modo de "teologar" depois de seu repúdio às filosofias ocidentais, e que a polêmica em torno da visão "sofiológica" de Bulgakov, na década de trinta, tornava tanto mais urgente.Não participou diretamente da violenta polêmica que se desencadeou em torno da "sofiologia", por razões de respeito para com o diretor de sua escola. Mas ofereceu uma alternativa à teologia de Bulgakov com a publicação de dois livros, Os Padres Orientais do Século Quatro (1931) e Os Padres Orientais dos Séculos Cinco ao Oito (1933). Tais livros contêm o núcleo da "síntese neo-patrística" (ou "sacro-helenismo") com a qual se identifica a visão teológica florovskyana.

Confirmando as teses apresentadas nesses dois livros, em 1937 Florovsky publicou uma obra magistral, Os Caminhos da Teologia Russa, na qual demonstrava que do século XVII em diante a teologia ortodoxa se afastara da tradição patrística, sofrendo profundas infiltrações por parte das teologias católica e protestante.

O ecumenismo vinha sendo favorecido pela Igreja Ortodoxa Russa desde a Primeira Guerra Mundial. Florovsky, porém, só começou a se interessar por ele quando se estabeleceu em Paris. Naquela cidade, Berdiaev fundara um círculo ecumênico abrilhantado por nomes ilustres, como Bulgakov, Zenkovsky, Boegner, Maury, Maritain, Marcel e Gilson. Florovsky inscreveu-se no círculo logo que se transferiu para o Instituto São Sérgio. Em 1931, Karl Barth convidou Florovsky para pronunciar uma conferência sobre a Revelação na Universidade de Bonn. Foi um acontecimento memorável na história do ecumenismo. Em 1937, participou da Conferência Ecumênica de Edimburgo e causou uma forte impressão. Ao término do encontro, foi escolhido para participar do Comitê dos Catorze, encarregado de preparar o Conselho Mundial das Igrejas. Desde então, sempre esteve presente em todos os grandes encontros ecumênicos. E desses encontros nasceram alguns dos escritos mais significativos do nosso autor. Criticou vigorosamente a expressão "Conselho Mundial das Igrejas". Para Florovsky, o plural "Igrejas" era inadmissível. "Ainda que a desgraça das divisões cristãs", declarou o teólogo de Odessa, "nos obrigue a reconhecer muitas confissões, só há uma única Igreja, a Igreja Ortodoxa, que tem uma função missionária no seio do Conselho Mundial." Em 1950, na Conferência de Toronto, lutou até o fim pela inserção no relatório final do esclarecimento de que a participação no Conselho Mundial das Igrejas não implica para qualquer Igreja-membro a obrigação de reconhecer às outras Igrejas-membros o título de Igreja no verdadeiro sentido da palavra. Nessa questão da definição eclesiológica do Conselho Mundial, Florovsky mostrou-se inarredável, fazendo dela uma conditio sine qua non para a participação da Ortodoxia. Na Conferência de Evanston (1954), lançou uma conclamação a um novo tipo de ecumenismo: "Ao ecumenismo no espaço deve-se acrescentar também um ecumenismo no tempo", ou seja, uma nova tomada de contato com os grandes momentos da Tradição apostólica, essencialmente salvaguardados pela Ortodoxia.
São especialmente memoráveis dois relatórios que leu diante do Congresso Teológico Pan-Ortodoxo de Atenas (1936), Westliche Einflüsse in der Russischen Theologie e Patristics and Modern Theology. O primeiro trata da "pseudomorfose" da teologia oriental sob as influências latinas e protestantes; o segundo apresenta o programa de "re-helenização da Ortodoxia".

Durante a Segunda Guerra Mundial, nosso teólogo buscou refúgio inicialmente na Suíça, depois na Iugoslávia e finalmente na Tchecoslováquia. Depois da guerra, retornou a Paris.

Em 1949 ingressou na Faculdade de Teologia da Universidade de Harvard, na qualidade de professor de História da Igreja Oriental. No ambiente sereno e acolhedor de Harvard, passou a se dedicar novamente à pesquisa científica. Desenvolveu e aperfeiçoou sua "síntese neopatrística" e organizou um grupo de estudos sobre o tema "Teologia e História".

Quando do anúncio da convocação do Concílio Vaticano II, embora se alegrando com o acontecimento, Florovsky manifestou algumas reservas ao convite enviado por Roma à Igreja Ortodoxa para que enviasse alguns de seus membros da hierarquia como observadores. Pareceu-lhe um sistema muito triunfalista e paternalista. Segundo ele, o convite devia ser endereçado somente aos teólogos.

Em 1964, alcançado o limite de idade, deixou a cátedra de Harvard e ingressou na Universidade de Princeton, na qualidade de visiting professor.

PENSAMENTOS DE FLOROVSKY

"Um corpo, em suma, o corpo de Cristo; esse excelente paralelo de que se serve são Paulo nos vários textos em que descreve o mistério da existência cristã é ao mesmo tempo o melhor testemunho que se possa prestar da experiência íntima da Igreja apostólica. Não é absolutamente metáfora acidental: é muito mais um resumo da fé e da experiência".

"As outras imagens e analogias de que se vale são Paulo e o resto do Novo Testamento acentuam do mesmo modo a unidade orgânica entre Cristo e os crentes; o alicerce construído com pedras múltiplas e vivas, que no entanto se apresenta como uma única pedra; a vinha e seus ramos, e muitas outras imagens, todas elas servem ao mesmo objetivo principal. Dentre elas, a imagem do Corpo é a mais forte e a mais expressiva"

"A Igreja é o Corpo de Cristo porque e na medida em que (pour autant) ela é o seu complemento... Noutros termos, a Igreja é a extensão e a 'plenitude' da Encarnação, ou melhor, da vida encarnada do Filho, 'junto a tudo aquilo que foi feito por nossa salvação: a Cruz e o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, a Ascensão aos céus, o estar à direita do Pai' (São João Crisóstomo)".

"A Igreja, portanto, é o lugar e o modo da presença salvífica do Senhor, glorificado no mundo ou na humanidade que ele salvou"

"Os cristãos não são apenas unidos entre si; antes de mais nada, eles são uma unidade em Cristo e só essa comunhão com Cristo torna possível a comunhão dos homens, nele. O centro da unidade é o Senhor e o poder que opera essa unidade é o Espírito Santo".

"Católico não é um nome coletivo. A Igreja ... é católica em todos os seus elementos... Cada membro da Igreja é e deve ser católico. Toda a existência cristã deve ser organicamente 'catolicizada', ou seja, reintegrada, concentrada, centralizada interiormente".

"Cristo é o mesmo, ontem, amanhã e sempre. Nele todas as gerações cristãs estão unidas".

"A função principal da Igreja no mundo é precisamente reunir os indivíduos dispersas e separados, incorporando-os numa unidade orgânica e viva, em Cristo"

"É através do seu bispo ou, mais exatamente, no seu bispo que cada igreja local ou particular se inclui na totalidade da Igreja católica. Através do seu bispo, ela é colocada em contato com as fontes primeiras da vida carismática da Igreja, ligada a Pentecostes"

"Aquilo que realmente se exige não é uma linguagem nova ou novas visões gloriosas, mas unicamente uma melhor vida espiritual que nos torne novamente capazes de discernimento no âmbito da plenitude da experiência católica".

"A primeira tarefa para a geração atual de teólogos ortodoxos é restaurar em si mesmos a capacidade de sacrifício que lhes permita não tanto exprimir as próprias idéias ou as próprias visões, mas unicamente prestar testemunho da fé imaculada da Mãe Igreja. Cor nostrum sit semper in Ecclesia!"